domingo, 31 de janeiro de 2010

Artigo: Biopirataria na Amazônia

Por Tatiane Smoginski

 




Introdução
O imenso patrimônio genético da Amazônia com potencial de uso farmacêutico, cosmético e alimentar, necessita de aperfeiçoamento legal, para sua proteção contra o contrabando e apropriação para patenteamento no exterior. O alto número de infração em portos, aeroportos e fronteiras do Brasil, por tentativa de tráfico de fauna e flora confirma o País na rota da cobiça internacional.

Infelizmente, a Amazônia é uma das principais fontes do contrabando da fauna e flora do Brasil. Mais de 12 milhões de animais são levados a cada ano daqui, agravando o risco de extinção de 208 espécies. Pessoas que buscam exemplares raros, assim como a indústria farmacêutica, estimulam o mercado internacional. Essa atividade é chamada de biopirataria.

No entanto, ainda é difícil controlar e combater as práticas da biopirataria, justamente pela fragilidade da economia extrativa em que se baseia a maioria dos produtos da biodiversidade amazônica. E por se tratar de posse através de meios pouco éticos, mas legítimos judicialmente, quando patenteados.

O mais grave é ver que o crime da biopirataria é incentivado pela própria legislação de patentes e pelo fato de países desenvolvidos desrespeitarem leis que asseguram propriedade sobre o material genético às nações que o têm nativo em seu território. Dessa forma, a biopirataria na Amazônia esconde dois graves problemas: a ocultação das consequências desse crime e a busca de uma efetiva solução para o problema.


 Biopirataria: Termo novo, problema antigo

Por definição, Biopirataria é a apropriação indevida de recursos diversos da fauna e flora, levando à monopolização dos conhecimentos das populações tradicionais no que se refere ao uso desses recursos e/ou comercialização internacional de recursos biológicos que contrariam as normas da Convenção sobre Diversidade Biológica, de 19921.

O termo ‘Biopirataria’ pode ser considerado novo, pois surgiu em 1993 e foi lançado pela organização não governamental ETC Group2, que sentiu-se no dever alertar o mundo sobre o fato do conhecimento tradicional e dos recursos biológicos estarem sendo apropriados de forma indevida e patenteados por empresas e instituições cientificas de vários países.

No Brasil esse caso já é bastante antigo, e teve início no século XVI durante o período da expansão marítima, com a extração em larga escala do Pau Brasil. O processo que já era realizado por muito tempo pelos nativos da região Amazônica, passou a ser utilizado pelos colonizadores portugueses que usavam a madeira principalmente para produzir uma tinta de tom avermelhado.

Segundo a jornalista e escritora Rosa Nepomuceno (2007) “a pirataria sempre correu solta, mas ela se oficializou em 1809, quando d. João 6º mandou invadir a atual Guiana Francesa e levou os portugueses a se estabelecerem na região, entre 1810 e 1817. Inclusive as técnicas manuais para plantio foram apropriadas”3.

Outro caso bastante visível e que acabou marcando na história da biopirataria do país, aconteceu exatamente em 1876, quando o inglês Henry Whikham, veio ao Brasil passando-se por um simples colecionador de orquídeas e acabou roubando algumas mudas e sementes de seringueira. A mando do governo inglês, Whikham levou a preciosa encomenda, a partir de então de poder Britânico, para uma nova plantação em uma das colônias inglesa, na Malásia.

Depois de algumas décadas a Malásia viria a se tornar o principal exportador de látex, deixando o Brasil com apenas uma pequena parte dos lucros na produção da borracha, o que acabou fazendo com que milhares de famílias que sobreviviam da extração do látex ficassem sem alternativas de subsistência. Chegaria então a decadência e o fim do conhecido e fervoroso Ciclo da Borracha na Amazônia.


Biopiratas: O perfil e as formas de ação

Na grande maioria das vezes, os biopiratas se passam por turistas ou cientistas, o que acaba não despertando muita desconfiança nas pessoas, já que eles estão sempre com os documentos regularizados, o que não quer dizer que sejam legalizados. Em alguns casos, essas pessoas chegam até mesmo a apresentar aval governamental com boas intenções como, investigações para ajudar a reduzir o tráfico de mudas, sementes, insetos e vários outros interesses que envolvem a biodiversidade da Amazônia.

Em razão de tudo isso, muitos pesquisadores que realmente buscam fazer trabalhos sérios, enfrentam dificuldades para desenvolver seus projetos de pesquisas. E como resultado, esses verdadeiros pesquisadores acabam ficando sem ter como realizar esses estudos de campo, que provavelmente trariam algum tipo de benefício para a região.

Os biopiratas agem inicialmente procurando ganhar a confiança da população local, para que assim possam obter o apoio imediato dos maiores conhecedores dos mistérios e riquezas da região que desejam explorar. Aproveitando-se da ausência das autoridades e da carência social e econômica em que geralmente essa população se encontra, os biopiratas sentem-se ainda mais a vontade para agir.


As formas de ações desse tipo de contrabandistas estão ficando cada vez mais bem articuladas, e envolvem cada vez mais pessoas que, na prática deveriam lutar contra o roubo da nossa biodiversidade, como é o caso de autoridades ambientais, mas que na realidade acabam integrando e facilitando esse tipo rede criminosa.

Como em qualquer outro tipo de atividade ilícita, toda essa articulação possuí uma hierarquia. Os primeiros intermediários, são os ambulantes que transitam entre a zona rural e os centros urbanos; os intermediários secundários, são os pequenos e médios comerciantes que atuam clandestinamente no comércio varejista; e os grandes comerciantes, são os responsáveis pelo contrabando nacional e internacional de grande porte.
Os biopiratas usam-se também de variadas técnicas para transportar os produtos biopirateados. No tráfico interno, o transporte é feito principalmente por caminhoneiros e motoristas de ônibus. E as empresas para as quais essas pessoas trabalham muitas vezes têm o conhecimento do que está sendo feito, mas acabam fazendo vista grossa e nada fazem para repreender esse tipo de crime.

Os produtos são escoados pelas rodovias federais e seguem principalmente para as regiões Sul e Sudeste, onde são exportados através dos principais portos e aeroportos dessas regiões. Os vegetais como, sementes e gêmulas são transportados em bolsos, canetas, frascos de cosméticos e até mesmo em dobras ou costuras de roupas.

Já no tráfico de animais, os contrabandistas fazem o transporte através de caixas, fundos falsos de malas e várias outras formas agressivas que possamos imaginar. Na maioria das vezes esses animais não resistem à viajem, como é o caso de nove entre dez e, morrem antes mesmo de chegarem ao final da rota,. O destino internacional desses animais são a Europa, Ásia e América do Norte.


Extinção das espécies: Caminho sem volta

No cenário das alterações pela qual se passa o meio ambiente, o empobrecimento da diversidade biológica da Amazônia talvez seja o mais preocupante, pois é o único totalmente irreversível. Qualquer espécie animal ou vegetal, por mais insignificante que possa parecer, desempenha um papel insubstituível no ecossistema do qual faz parte e é produto de milhares de anos de evolução.
Quando o último representante de um determinado tipo de animal ou vegetal é eliminado, nunca mais poderá voltar a existir, como é o caso de muitas espécies. A UICN4, importante organização internacional de conservação da natureza, estima que, em todo o mundo, de uma a duas espécies de plantas são extintas por dia, enquanto as de animais varia de 50 a 250 por dia.
Dos fatores que ameaçam a biodiversidade, os mais conhecidos são, a caça predatória e ilegal, a derrubada de florestas, as queimadas, a destruição dos ecossistemas para loteamento e a poluição de rios. Mas outro problema bastante grave e que ameaça silenciosamente a fauna e a flora brasileira é a saída ilegal de material genético, de plantas e animais para exterior, ou seja, a biopirataria.
Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), órgão responsável pelas listas oficiais de espécies da fauna e da flora brasileiras ameaçadas de extinção, 219 espécies animais (109 aves, 67 mamíferos, 29 insetos, nove répteis, um anfíbio, um artrópode, um coral, um peixe e um crustáceo) e 106 espécies vegetais correm o risco de desaparecer. Entre elas, algumas estão praticamente extintas, como a arara-azul-pequena e o passarinho tietê-de-coroa.


Patrimônios nacionais, méritos estrangeiros

Nos últimos tempos, têm sido constantes as discussões acerca dos prejuízos que o país vem tendo com o crescente patenteamento de produtos, animais e matérias-primas da Amazônia por empresas americanas, japonesas e dos países da Comunidade Européia.
Cálculos feitos pelo IBAMA há três anos indicavam que o Brasil já amargava um prejuízo diário da ordem de US$ 16 milhões (mais de US$ 5,7 bilhões anuais) por conta da biopirataria internacional, que patenteia produtos brasileiros em seus países sedes, impedindo as empresas brasileiras de vendê-los lá fora e de ter de pagar para importá-los em forma de produtos acabados 6.
Segundo o vice-presidente da Academia Brasileira de Letras Agrárias, Darcy Zibetti (2004) “É necessária a revisão das patentes feitas por estrangeiros com produtos originários da Amazônia" 7.
Pela legislação brasileira, para se obter o direito de usufruir dos benefícios de uma planta é necessário que se descubra ou invente um método novo de fabricar um produto a partir de um recurso natural. Isso aconteceu com a Embrapa, que patenteou o Cupulate, um chocolate feito do caroço do cupuaçu. Como o processo de patenteamento desse produto no Brasil foi muito lento, ele foi patenteado rapidamente nos Estados Unidos, na Europa e no Japão pela empresa japonesa Asahi Foods.
De acordo com levantamentos feitos por pesquisadores brasileiros, e que foram apresentados no I Congresso Internacional de Direito Amazônico, em Boa Vista, no estado de Roraima (2004), os Estados Unidos, Japão, Inglaterra e França são os países que lideram a lista de detentores de patentes de produtos da flora amazônica.


Conclusão

A solução para evitar a biopirataria envolve a mudança da economia extrativa atual, que se caracteriza por uma oferta rígida, determinada pela natureza que, depois de atingir certa quantidade, não consegue atender ao crescimento da demanda. A escassez do produto e os altos preços constituem um estímulo e um convite para desenvolver plantios desses recursos, que tendem a ser desenvolvidos fora da área de ocorrência do extrativismo, o que acaba por facilitar a biopirataria.

É preciso também que se modifique a Lei de Patentes, e que sejam feitos novos acordos que proíbam o patenteamento de organismos sem especificação de origem e forma de obtenção, para garantir a propriedade intelectual às populações que geraram o conhecimento.

O aumento no trabalho de fiscalização interna é outro ponto principal que poderia reduzir em grande parte o número de crimes contra a nossa biodiversidade. E por fim, é preciso direcionar melhor as penalidades em relação ao tráfico de animais e à biopirataria, pois no Brasil a pena aplicada a um traficante internacional é praticamente e mesma que seria aplicada a uma pessoa comum que possua um papagaio em sua residência.

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